Exercer a autonomia
- Bárbara Viacava
- 13 de mar.
- 2 min de leitura
Vejo na nossa sociedade uma base católico-cristã extremamente arraigada.
Arraigar (conforme o dicionário priberam): 1. Fixar ou lançar raízes. 2. [Figurado] Tornar(-se) permanente, firme, entranhado.
Sim, essa coisa que vem das entranhas e é um tanto difícil tirá-la de dentro — quiçá impossível. Mas, ao olhá-la com sinceridade, penso que podemos modificá-la de uma forma que a tornemos menos enraizada, que esteja mais à superfície, para que nossos hábitos diários se encaminhem para algo que realmente desejamos, e não para o mesmo de sempre, com diferentes aparências.
Não falo aqui sobre uma religião específica, falo aqui sobre a forma de pensamento que consolidamos a partir dessa base. A forma na qual existe um “eu”, existe um “outro bom”, existe um “outro mal”, existe um “deus” acima de todos — o qual preciso seguir, acreditar, obedecer, amém.
É claro que tá tudo bem crer em um deus, afinal, é uma fé — essa coisa de meio crer naquilo que não se vê, mas se sente. ((se não for por puro desespero e tapa-buracos, melhor pra sua fé, pra você e pro seu deus rs))
O problema, ao meu ver, é essa base de pensamento se consolidar para todos os outros aspectos da nossa vida — coisa que tenho visto bastante.
Exemplifico: Se eu não entendo de nutrição e uma pessoa me diz que preciso comer duas maçãs por dia para desintoxicar meu corpo, vou lá e faço ::: ou seja, transformei aquela pessoa temporariamente na mesma figura que o deus.
Se eu não entendo de comunicação e uma pessoa me diz que preciso postar só reels, pois é o que o instagram entrega melhor, vou lá e faço ::: fiz mais do mesmo. A figura “deus” muda de lugar, de roupa, de aparência, de nome, mas não muda a lógica dessa base constituinte do nosso pensamento.
Somos pessoas sem autonomia crítica. Precisamos de um outro que nos diga. Seja na figura do deus, na figura do guru, na figura do pai, na figura do marido. Já há algumas décadas Simone de Beauvoir disse algo que me toca profundamente. Ela disse que a mulher se vê o Outro, e que ser o outro tem suas desvantagens, mas, veja que irônico, tem também seus benefícios — o que faz com que, muitas vezes, a pessoa permaneça confortavelmente nesse lugar. A desvantagem é a perda de autonomia, pois somos um apenso e fazemos aquilo que um Sujeito quer e diz. O benefício é também a perda de autonomia, pois, ao fazer aquilo que o sujeito quer, podemos colocar a culpa nesse tal sujeito e deixamos de ser responsáveis por aquilo que não nos satisfez.
É isso que temos sido até então.
Exercer a autonomia é urgente.
Não podemos esperar que alguém nos diga quais hábitos saudáveis precisamos manter para viver bem. Quais astros estão alinhados no céu para que a gente lance nosso próximo projeto. Quais os melhores formatos para postar no instagram para que o post alcance milhões de views.
Exercer a autonomia é urgente. :)
PS: Uma vez escrevi
“Tudo que escrevo
é apenas um lembrete
para mim mesma”
Mas talvez ressoe por aí também.
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